Pular para o conteúdo

anos de compromisso

com a música e a transformação social

SEIS DÉCADAS DE

HISTÓRIAS

Alunas FEA, 1969

Alunas FEA, 1969

Origens: proposta de uma nova educação


A história da Fundação de Educação Artística tem início a partir da inquietude de jovens músicos em relação à educação e a prática musical vigente na Belo Horizonte no início dos anos 1960. Para uma capital que avançava na modernidade, o ensino de música nas poucas orquestras e escolas existentes soava anacrônico.

O pequeno grupo, formado pelos pianistas Berenice Menegale, Eduardo Hazan e Vera Lúcia Nardelli Campos, recém-chegados de estudos na Europa, ganhou adeptos: o professor e maestro Sergio Magnani, Venício Mancini, Maria Clara Paes Leme e Lilly Kraft, pianistas, Conceição Rezende, musicóloga, Leônidas Autuori, violinista, Salvador Villa, clarinetista, e Antonieta Salles, professora de flauta doce.

A proposta era criar uma escola inovadora para transformar radicalmente o ensino da música, livre das amarras acadêmicas e que atraísse jovens para uma formação estética e cultural mais ampla. Desde as primeiras discussões, em 1962, seus fundadores deixaram clara a ideia de que a escola deveria ser uma entidade sem fins lucrativos e sem vínculos com instituições oficiais.

Em busca de viabilizar o projeto, Berenice Menegale foi recebida pelo então ministro da Educação de João Goulart, Darcy Ribeiro, que, aberto a concepções inovadoras de educação, contribui com uma verba para a criação da entidade. Esse fato possibilitou a compra de quatro pianos e o aluguel, por seis meses, da primeira sede, a casa do coreógrafo Klauss Vianna, na avenida Bias Fortes, em Belo Horizonte. Vencido o primeiro obstáculo, a Fundação de Educação Artística foi criada oficialmente em 8 de maio de 1963.

Maestro Sergio Magnani

Maestro Sergio Magnani

O passo seguinte foi dado na parceria com o Colégio de Aplicação, que teve apoio da diretora Alaíde Lisboa. Foi criado então o Ginásio Musical, projeto no qual se buscou aliar o ensino da música às outras disciplinas escolares e que durou de 1963 a 1967 e formou quatro turmas com resultados surpreendentes.

A opção por não se tornar uma universidade e se manter como escola livre foi pioneira e reforçou o caráter libertário de sua metodologia de ensino, sempre em mutação. Esse aspecto é uma das marcas da FEA, aplicando-se à iniciação musical de crianças e na formação de profissionais e novos educadores ao longo de seus 60 anos.


4º Festival de Inverno, Ouro Preto, 1970

4° Festival de Inverno, Ouro Preto - MG, 1970

A opção pela vanguarda e os Festivais de Inverno


Desde sua origem, a Fundação de Educação Artística desbravou caminhos ainda pouco explorados em Minas Gerais, tanto na área pedagógica como nas propostas de difusão da música. A ênfase na música do século 20 fica explícita já na realização do primeiro concerto da série Manhãs Musicais, em 1963, dedicado ao compositor húngaro Béla Bartók (1881-1945).

Após o sucesso da realização de um curso intensivo com o pianista austríaco Hans Graf (1928-1994), os professores da FEA decidiram reproduzir a proposta imersiva em um ambiente novo: foi escolhida a cidade, Ouro Preto; e o nome, Festival de Inverno.

Mais uma vez, a disposição empreendedora dos professores e pessoas ligadas à Fundação conseguiram mobilizar recursos e organizar o I Festival de Inverno de Ouro Preto, em 1967. Na primeira edição, além dos 10 cursos de música promovidos pela FEA, a Escola d Artes Visuais da UFMG realizou seis cursos na área de artes plásticas.

A presença de compositores e regentes e a troca de informações nas atividades do Festival de Inverno e na própria Fundação de Educação Artística proporcionou a criação de obras musicais inéditas e contribuíram muito para a difusão da música contemporânea no país.

Além das oficinas e cursos, o Festival de Inverno promoveu vasta programação cultural, com convidados de outros estados e do exterior, promovendo um intenso intercâmbio entre alunos e professores de distintas formações e origens. A partir dos anos 1970, a orientação da área de música do Festival de Inverno, coordenada pela FEA até 1986, passa por transformações, dando ênfase à prática da composição e ao estudo de obras contemporâneas e vanguardistas.

Programa do 1° Festival de Inverno, Ouro Preto - MG, 1967

A tônica experimental contou com as contribuições fundamentais de músicos egressos da Escola de Música da Bahia – o argentino Rufo Herrera, Marco Antônio Guimarães, o alemão H.J. Koellreutter – e do argentino Dante Grela, para fomentar a discussão sobre o fazer e a didática musical.

É importante a menção à longeva parceria com o Goethe-Institut, que, a partir de 1969, colaborou com a vinda de professores para cursos, artistas para concertos e oficinas e a doação de instrumentos para a instituição, incluindo o famoso piano Steinway.

Professor H.J. Koellreutter

Professor H.J. Koellreutter


Criação e promoção da música contemporânea


O comprometimento da Fundação de Educação Artística com um novo tipo de educação, a criação e a difusão da música do século 20 foram sempre os pilares conceituais da instituição. A experiência dos Festivais de Inverno, acrescida da presença de importantes compositores em cursos e residências na FEA, fez surgir uma preocupação de incentivar a criação e a prática da composição.

Ao enfatizar essa área, a atuação da FEA representou um significativo incremento na formação de novos compositores que passaram a integrar os quadros de docentes de diversas universidades brasileiras. Com a promoção dos Ciclos de Música Contemporânea, dos Encontros de Compositores Latino-Americanos e a atuação do grupo Oficina Música Viva, além dos inúmeros cursos e residências de compositores, a atividade da FEA deu um forte impulso na cena contemporânea no estado.

No campo da difusão, desde a primeira edição do Manhãs Musicais, em 1963, a FEA realizou centenas de concertos das mais diversas tendências da música clássica e contemporânea e apresentou nomes menos conhecidos, sempre com a preocupação de expandir a sensibilidade do público para audições fora do padrão das orquestras existentes. Com sede própria a partir de 1969, a abertura do Teatro Heloísa Guimarães, em 1978, representou um avanço nas atividades de difusão da música contemporânea e ponto de encontro de músicos.

A música de câmara também sempre teve destaque nas atividades da FEA, desde o primeiro concerto do Conjunto de Câmara da Fundação de Educação Artística, em 1968 até os dias atuais, com a formações de diversos grupos em diferentes épocas. Além disso, foram realizadas mais de 30 edições bianuais da Semana de Música de Câmara, em que eram contempladas tanto a difusão quanto a formação – por meio de masterclasses e oficinas.

Outro aspecto fundamental da atuação da FEA ao longo de suas seis décadas de atividade é a capacidade de agregar pessoas com os mesmos ideais, o que contribuiu para o surgimento de diversos grupos de música e tiveram relação direta ou indireta com a instituição. Vale destacar o Madrigal Renascentista, o GRUME (Grupo de Música Experimental), o Grupo Oficcina Multimédia, o Uakti, entre outros. 

Cartaz do 1º Encontro de Compositores Latino-Americano de Belo Horizonte

Professora Berenice Menegale

Professora Berenice Menegale, 1989

Uma pedagogia sempre em mutação


Tema de intenso debate, a educação musical na Belo Horizonte da década de 1960 estava presa a metodologias anacrônicas e especificamente dirigida ao aprendizado técnico dos instrumentos. A Fundação de Educação Artística, ja em sua concepção, trouxe uma visão bem mais abrangente a respeito desse processo. Como dizem seus fundadores, a proposta não era informar, mas formar o aluno numa cultura musical e mais amplamente, artística. Nesse sentido, a liberdade da FEA fez com que a pedagogia adotada buscasse expandir conceitos e paradigmas metodológicos.

No final dos anos 1970, com a guinada para a música e vanguarda e contemporânea, a FEA passou a investir nos processos criativos e de composição, reformulando radicalmente sua metodologia. Muitos alunos da FEA se tornaram professores, o que também contribuiu para a renovação da pedagogia e um processo constante de autocrítica e reflexão sobre o ensino musical.

De um primeiro momento, em que a experimentação foi a tônica no aprendizado, a FEA e seu quadro docente passaram a discutir uma maior formalização de suas práticas pedagógicas e a elaboração de currículos, distinguindo etapas do aprendizado. Sem perder o caráter de escola livre, a FEA testou diferentes métodos e abordagens dos elementos da linguagem musical e, ao longo, das décadas manteve o espírito crítico e aberto a novas propostas.